É provável que você conheça as ciências biológicas e humanas, mas será que sabe o que é bioética?
As ciências e tecnologias estão evoluindo cada vez mais rápido.
E a dúvida que fica é: até que ponto elas elas podem chegar e interferir na vida humana?
Para responder a essas e outras questões referentes ao avanço científico sobre as pessoas, surge a bioética.
O estudo se propõe a criar debates racionais sobre as possibilidades e limites da ciência sobre a vida.
Veja, então, mais detalhes sobre o que é a bioética, seus princípios e como ela impacta a nossa vida.
O que é bioética?
Bioética é a ponte entre as ciências biológicas e humanas.
A partir deste conceito, há o entendimento de que a Medicina, Enfermagem, tecnologias e pesquisas são aplicadas em seres humanos únicos, complexos e dignos.
A bioética na Enfermagem, por exemplo, tem relação com as condutas adotadas no cuidado com o paciente, que devem ser íntegras, críticas e reflexivas, para garantir a dignidade e os direitos humanos.
Nessa área ou em outros campos, a aplicação científica sobre vidas deve respeitar princípios éticos.
O neologismo bioética aparece com a junção de duas palavras de origem grega: bios (vida) + ethos (relativo à ética).
Assim, a bioética trata sobre os conceitos, normas e princípios morais relativos à ciência empregada na vida humana e de outros seres vivos.
Bioética é o estudo transdisciplinar que permeia diferentes áreas do conhecimento.
São elas:
- Ciências Biológicas
- Ciências da Saúde
- Filosofia (Ética)
- Direito (Biodireito).
Van Rensselaer Potter é considerado um dos pioneiros em teorizar a bioética. Na década de 1970, o pesquisador e professor norte-americano assim definiu:
“Nem tudo que é cientificamente possível é eticamente aceitável.”
A bioética surge, então, como uma maneira de entender as fronteiras da aplicação da ciência sobre o ser humano.
Até que ponto é ético utilizar pessoas e animais em experimentos científicos? Quando começa e termina a vida? Um indivíduo pode determinar até quando deseja viver?
Para nortear essas e outras respostas, a bioética se estrutura ao longo dos anos.
Por fim, segundo o Dicionário de Bioética, de Salvino Leone, ela pode ser assim definida como:
“Que tem como objetivo indicar os limites e as finalidades da intervenção do homem sobre a vida, identificar os valores de referência racionalmente proponíveis, denunciar os riscos das possíveis aplicações.”
Bioética e Biodireito
Como já destacado, a bioética é um estudo maior e amplo sobre variados campos do conhecimento. Um deles é o Biodireito.
O Biodireito, assim, pode ser definido como o ramo dentro do Direito que trata da teoria, legislação e jurisprudência relativas a normas de conduta humana frente aos avanços científicos.
Em resumo, são as leis e sua aplicabilidade sobre o progresso da Medicina, Enfermagem, Biotecnologia e outras ciências.
Para isso, o Biodireito se baseia nos fundamentos do Direito Civil, Direito Constitucional e Direito Penal.
O objetivo central do Biodireito é garantir a dignidade do ser humano frente às inovações científicas que afetam diretamente a vida.
No Código Civil Brasileiro, por exemplo, todas as pessoas com vida são consideradas capazes de usufruir de direitos e cumprir com deveres.
A personalidade civil é validada a partir da concepção. Portanto, a lei concede aos embriões os direitos do nascituro – aquele que vai nascer -, pois já foram concebidos.
Parte daí, então, várias discussões sobre o aborto e os direitos das mulheres e dos nascituros.
Além disso, surgem questões sobre a manutenção de óvulos fecundados em clínicas voltadas à reprodução.
Portanto, o Biodireito é uma das ramificações da Bioética e que se pautará nas leis para o pleno exercício da dignidade humana em aplicações científicas.
Origem da bioética

Como vimos, a bioética foi abordada com grandes proporções na década de 1970, pelo bioquímico e oncologista estadunidense Van Rensselaer Potter.
Mas o termo já havia sido mencionado e estudado anteriormente. Em 1927, o pastor alemão Paul Max Fritz Jahr havia escrito sobre o assunto em um artigo de editorial da revista Kosmos.
Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo entrou em discussão sobre os limites dos experimentos científicos, especialmente após as metodologias nazistas serem descobertas.
Retirada de órgãos de crianças ainda vivas, privação de leite materno à bebês, tentativa de “costurar” e criar irmãos siameses e relação sexual forçada entre gêmeos são apenas alguns dos casos alemães da época.
Surgiu em todo o mundo, assim, a necessidade de delimitar a ação científica sobre as vidas, a fim de evitar abusos à dignidade humana.
Teorias da Bioética
Para estabelecer limites à ação da ciência, os estudos da bioética se pautam em três teorias que devem ser analisadas:
- Individualismo
- Hedonismo
- Utilitarismo
O individualismo coloca a liberdade do indivíduo acima do coletivo.
Por essa teoria, todos nós devemos ser independentes.
Porém, isso nem sempre se realiza e, especialmente em uma sociedade global, todos somos interdependentes.
Assim, a ciência deve reconhecer que cada pessoa humana merece ter as suas opiniões individuais respeitadas, mas, precisa se lembrar da conexão coletiva.
O hedonismo categoriza o mundo em dor e prazer.
A dor precisa ser evitada a qualquer custo, enquanto o prazer deve ser buscado também a qualquer custo.
A ciência hedonista pode ser negligente ao praticar o prazer momentâneo em detrimento do que, de fato, deve ser realizado.
Por exemplo, um tratamento médico pode ser incômodo, mas talvez seja a única solução realmente viável para a saúde de uma pessoa.
Por fim, o utilitarismo considera que pessoas e coisas só têm valor enquanto são úteis ao sistema.
Por esse pensamento, crianças, idosos e inválidos são descartados.
Uma ciência que coloca o ser humano como prioridade não deve tomar como frente a “utilidade” de alguém, mas sua essência de vida.
Assim, a bioética preza pelo equilíbrio das teorias do individualismo, hedonismo e utilitarismo na prática das ciências sobre a vida humana.
Importância da bioética para a sociedade

Vivemos em uma sociedade plural, com diferentes pensamentos, linhas morais e culturais.
Por isso, não deve haver a sobreposição da ética de um grupo sobre a de outro.
A ideia é que em uma sociedade realmente preocupada com a vida humana, a ética seja a mais democrática possível sem perder sua essência reguladora.
Por isso, a bioética se destaca como uma importante central de discussões que regula o funcionamento das ciências sem que elas prejudiquem a dignidade humana.
Ao mesmo tempo, deve dar a elasticidade suficiente para que os importantes avanços na Medicina e Biotecnologia possam ser alcançados. E, com isso, tragam benefícios às pessoas.
Mais do que levantar polêmicas pessoais ou de determinados grupos da sociedade, a bioética surge como uma maneira para questionar racionalmente o progresso científico sobre as vidas humanas.
E o faz não para “amarrar” as ciências, mas para ordená-las de forma que respeitem o ser humano – que, inclusive, será afetado pelas descobertas e aplicações científicas.
Princípios da bioética
Ainda na década de 1970 foram elaborados documentos importantes sobre a bioética.
Dentre eles, o Relatório Belmont, de 1978, e a obra Principles of biomedical ethics, de 1979, de Beauchamps e Childress.
De acordo com esses materiais, existem três princípios que norteiam a bioética: beneficência / não maleficência, autonomia e justiça.
Veja, a seguir, cada um dos princípios em detalhes:
Benevolência / não maleficência
Segundo este princípio, a ciência deve atuar com fins ao bem da vida humana (benevolência) e para evitar o mal (não maleficência).
Para isso, deve observar a totalidade das pessoas.
Afinal, elas não existem somente no campo biológico, mas em uma complexidade única de características psicológicas, sociais e espirituais.
Um profissional de saúde, por exemplo, pode considerar que determinado medicamento seja efetivo para o tratamento da saúde física de um paciente.
Mas, ao avaliar os possíveis efeitos negativos sobre a saúde psicológica deste indivíduo, ele busca uma alternativa mais viável à totalidade humana do paciente em questão.
Autonomia
Toda pessoa humana plenamente capaz deve ter autonomia para tomar decisões sobre si mesmo.
Para que haja autonomia, é imprescindível que os humanos envolvidos estejam devidamente informados sobre todas as vantagens e desvantagens inerentes à ação científica.
A partir da informação, eles devem formar o consentimento.
É por este princípio que a ciência deve limitar a sua ação quando o ser humano não tem capacidade para se decidir.
Por isso, crianças, pessoas com deficiências da mente ou com vícios de entorpecentes não são considerados capazes perante o Direito.
Assim, elas não têm autonomia e, portanto, não podem decidir sobre suas próprias vidas.
A ciência, neste contexto, deve respeitar autonomia humana dos plenamente capazes.
Porém, se no caso em questão a benevolência for mais necessária do que o respeito à autonomia, pode haver interferência sobre a capacidade de decidir.
Por exemplo, um juiz decidiu que um recém-nascido deveria receber uma transfusão de sangue, mesmo frente à oposição dos pais.
Neste caso, o benefício da intervenção se sobrepôs à decisão paterna plenamente capaz.
Justiça
Por fim, o terceiro princípio da bioética é a justiça.
Por ela, entende-se que todo ser humano é igual em questão de dignidade. Porém, cada um tem suas necessidades próprias que devem ser justamente atendidas.
Assim, a ciência deve considerar, em escala hierárquica:
- O benefício que causa e o mal que evita
- O respeito à autonomia humana, provendo as informações necessárias à formação do consentimento
- A ação justa, que considera as particularidades de cada indivíduo.
Temas da bioética

São muitos os temas em que a bioética é utilizada. Os mais famosos, é claro, são aqueles que geram maior polêmica.
Como vimos, a bioética transcorre diferentes campos do conhecimento para chegar às limitações e possibilidades da ciência sobre a vida humana.
Portanto, acaba “esbarrando” em questões sensíveis à boa parte da população quanto a seus princípios éticos e morais.
Confira como eutanásia, aborto, células-tronco e direito dos animais são discutidos sob a ótica da bioética.
Eutanásia
Eutanásia é o ato de provocar a morte de uma pessoa que deseja interromper a própria vida.
Geralmente, ela ocorre quando alguém tem doenças incuráveis e deseja antecipar o seu fim de forma menos dolorosa e traumática possível.
Em locais onde é permitido, o procedimento é feito, na maioria das vezes, por profissional de saúde devidamente qualificado.
Holanda, Bélgica, Suíça, Luxemburgo, Colômbia, Canadá e cinco estados norte-americanos aceitam, por lei, a prática da eutanásia.
No Brasil, o ato é considerada homicídio e, portanto, um crime.
Basicamente, o debate bioético se dá, especialmente, pelo direito à vida.
Os opositores julgam que a vida deve ser estendida ao máximo possível, enquanto os favoráveis apostam na autonomia do ser humano.
Recentemente, a atleta paralímpica Marieke Vervoort morreu em decorrência de eutanásia.
A belga anunciou em 2016 a entrada no processo de morte assistida depois de longos anos sofrendo de tetraplegia progressiva.
Aborto
O aborto acontece em algumas situações. Basicamente, ele ocorre de forma natural ou causada.
Os abortamentos provocados pela gestante geram o grande embate entre apoiadores e pessoas contrárias.
O ponto central da discussão é se a grávida tem direito sobre a interrupção da gestação.
Existem diversas linhas de pensamento sobre a questão que envolvem causas biológicas, éticas e humanas.
Segundo os contrários ao aborto, a vida começa desde a concepção. Ou seja, a partir da fecundação do óvulo pelo espermatozoide, o feto já tem vida.
Sendo um ser vivo, então, deve ter todos os direitos do nascituro resguardados.
Porém, a própria ciência diverge quanto ao momento em que pode se diferenciar a formação celular de um ser humano.
Alguns consideram que, somente após três meses de gestação, o embrião vira feto e começa a ter senciência (sentidos básicos e noção da presença no mundo pela dor e pelo sofrimento).
Outra linha de pensamento leva o princípio da vida para somente depois da nidação – que ocorre a partir do quarto dia da fecundação.
Por fim, ainda existe a teoria das primeiras atividades cerebrais, que considera o embrião um ser vivo somente após o funcionamento cerebral.
No campo humano, ainda existe a discussão sobre os direitos inerentes à mulher sobre a autonomia de seu próprio corpo.
A bioética vem, então, para captar todos esses pontos e definir um consenso ético para o maior número de pessoas possíveis.
No Brasil, o abortamento só é permitido, legalmente, em três casos: risco de vida, gravidez resultante de estupro e anencefalia fetal.
No mundo, no entanto, vários países já liberam a prática legalmente.
Utilização de células-tronco
A polêmica em relação à utilização de células-tronco passa pelo mesmo sentido do aborto: deve-se considerar que um embrião é ou não um ser vivo?
Também conhecidas como células estaminais, elas têm grande capacidade de proliferação e, por isso, são fundamentais para o estudo e entendimento de diversas questões biológicas.
O principal objetivo das pesquisas com células-tronco é usá-las para recuperar tecidos danificados por doenças e traumas.
Elas são extraídas a partir de células de embriões e, por isso, críticos ao seu uso consideram que há interrupção da vida humana.
Da mesma forma, os favoráveis acreditam que o embrião não é um ser humano e, portanto, não há danos à vida pela utilização das células-tronco.
Vários países do mundo já legislam sobre o assunto proibindo ou permitindo o estudo e uso das células-tronco.
Direitos dos animais
De acordo com Peter Singer, filósofo australiano e professor da Universidade de Princeton, os animais são seres vivos sencientes.
Ou seja, eles sofrem, sentem dor, medo, fome e passam pelas sensações naturais.
Por isso, devem ser considerados dignos. Além disso, todo o sofrimento causado a eles precisa ser evitado.
Nesse sentido, as ciências não deveriam se utilizar de animais para fazer testes e outras pesquisas científicas.
O uso de diferentes espécies ainda é uma realidade das ciências. Pelo argumento dos apoiadores, o custo-benefício de utilizar os bichos deve ser ponderado.
Carla de Freitas Campos, diretora do Instituto de Ciência e Tecnologia em Biomodelos (ICTB/Fiocruz), afirma sobre a questão:
“O quantitativo de animais utilizados – e que devem ser utilizados de forma ética, com todo suporte, de maneira que eles não se estressem e evitando o seu sofrimento – é muito inferior à quantidade de animais e de pessoas que serão beneficiados.”
Por outro lado, os críticos consideram a situação inaceitável sob a ótica de desrespeito à vida animal. Silvana Andrade, diretora da Agência de Notícias dos Direitos Animais (Anda) argumenta que:
“Hoje nós temos tecnologia, recursos financeiros e o clamor ético da sociedade para que se usem métodos alternativos substitutivos ao uso de animais. Os pesquisadores precisam sair da zona de conforto.”
Novamente, a bioética aparece para embasar as discussões e chegar a um resultado favorável.
10 livros para você aprender mais sobre bioética

Hora de aprofundar seus conhecimentos e ampliar horizontes sobre a bioética. Confira, assim, os principais títulos sobre o tema:
- Princípios de Ética Biomédica – Tom L. Beauchamp e James F. Childress
- Ética prática – Peter Singer
- Libertação animal – Peter Singer
- Bioética: Ponte para o Futuro – Van Rensselaer Potter
- Bioética, uma aproximação – Joaquim Clotet
- A Ética, a Bioética e os Profissionais de Enfermagem – Ivo Gelain
- O que é bioética – Debora Diniz
- Bioética, um grito por Dignidade de Viver – Leocir Pessini
- Problemas atuais de Bioética – Leocir Pessini
- Bioética no Brasil – André Rangel Rios e outros.
Conclusão
As ciências avançam com mais rapidez a cada dia.
Para entender até que ponto ela pode interferir na vida, a bioética surge ampliando ou limitando fronteiras.
Multidisciplinar, a bioética engloba os conhecimentos científicos e humanos para discutir a ação da ciência sobre os seres vivos.
Mais do que uma verdade pronta, ela traz à tona importantes debates para todos os cidadãos.
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